Um dia depois, confessaria, em outra carta:
"Esta é parte terrível de estar perto da morte.
Fica-se sabendo que morrer é fácil".
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Katherine Mansfield, Cartas ao marido John Middleton Murry.
Arte: Gustav Klimt, the kiss, 1907.
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
domingo, 18 de maio de 2014
domingo, 4 de maio de 2014
quarta-feira, 12 de março de 2014
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
.
Ricardo Reis, Odes.
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Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
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Ricardo Reis, Odes.
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domingo, 12 de janeiro de 2014
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! traze tinta encarnada para escrever estas coisas! tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e da um nó cego muito apertado! eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
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Poema: Almada Negreiros. A invenção do dia claro, 1921.
Arte: Gustav Klimt. Mãe e filho, 1905.
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sábado, 11 de maio de 2013
sexta-feira, 29 de março de 2013
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
.
Porque não mais espero retornar
Porque não espero
Porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto
Não mais me empenho no empenho de tais coisas
(Por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaído poder do reino trivial?
Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam
Pois lá nada retorna à sua forma
Porque sei que o tempo é sempre o tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém
Alegro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
E renuncio à voz
Porque esperar não posso mais
E assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
De que me possa depois rejubilar
E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
Estas coisas que comigo por demais discuto
Por demais explico
Porque não mais espero retornar
Que estas palavras afinal respondam
Por tudo o que doi feito e que refeito não será
E que a sentença por demais não pese sobre nós
Porque estas asas de voar já se esqueceram
E no ar apenas são andrajos que se arqueiam
No ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.
Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.
.
Poema: T.S.Eliot. Quarta-Feira de Cinzas, parte 1.
Arte: Andrew Wyeth. De volta, 1984
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Porque não mais espero retornar
Porque não espero
Porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto
Não mais me empenho no empenho de tais coisas
(Por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaído poder do reino trivial?
Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam
Pois lá nada retorna à sua forma
Porque sei que o tempo é sempre o tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém
Alegro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
E renuncio à voz
Porque esperar não posso mais
E assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
De que me possa depois rejubilar
E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
Estas coisas que comigo por demais discuto
Por demais explico
Porque não mais espero retornar
Que estas palavras afinal respondam
Por tudo o que doi feito e que refeito não será
E que a sentença por demais não pese sobre nós
Porque estas asas de voar já se esqueceram
E no ar apenas são andrajos que se arqueiam
No ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.
Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.
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Poema: T.S.Eliot. Quarta-Feira de Cinzas, parte 1.
Arte: Andrew Wyeth. De volta, 1984
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domingo, 27 de janeiro de 2013
Então para os outros sou aquele estranho que surpreendi no espelho:
Sou ele e não eu, tal como me conheço! Sou aquele estranho que, à
primeira vista, não reconheci. Aquele estranho que não posso ver viver a não ser assim, num instante inesperado. Um estranho que só os outros podem ver e conhecer.
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Trecho: Luigi Pirandello.
Arte: Maya Kulenovic, vidro.
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domingo, 25 de novembro de 2012
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Pode a morte ser sono, se a vida não é mais que sonho,
E se as cenas de êxtase passam qual espectros?Os prazeres transitórios semelham visões,
Mas pensamentos a morte como a grande dor.
Como é estranho o vagar do homem na terra
Em sua vida maldita não pode desvencilhar
O rude caminho; nem ousa sozinho entrever
Seu augúrio futuro que não é senão despertar.
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Poema: John Keats; A morte.
Arte: Alyssa Monks; Lula.
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sábado, 29 de setembro de 2012
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Não há amor perdido, nem se fingem milagres
Não reparto o destino que me expia em saudades...
E o grito ecoa profundo;
"Quero o meu mundo!"
O assalto recomeça, o espelho fascina
Sigo encoberto, o quebrando domina...
Mas a vida desalinha!
Sepulto a ruína, ressurjo em apreço,
E de novo, recomeço.
Só quem se arrisca a ir longe demais
descobre o quão longe se pode ir.
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Poema: T.S.Elliot. Recomeçar.
Arte: Salvador Dalí. O nascimento de um novo homem, 1943.
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domingo, 2 de setembro de 2012
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Era o relógio de meu avô
e quando o ganhei de meu pai ele disse
Estou lhe dando o mausoléu
de toda esperança e todo desejo.
Dou-lhe este relógio não para
que você se lembre do tempo,
mas para que você possa esquecê-lo
por um momento de vez em quando
e não gaste todo o seu fôlego
tentando conquistá-lo.
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Excerto: William Faulkner, O som e a fúria.
Arte: Edward Kienholz. O Restaurante, 1965.
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domingo, 12 de agosto de 2012
Primeiro, você tem nosso perfil?
Você usa olho de vidro, dentes postiços ou muleta,
atadura ou gancho,
Peitos ou sexo de borracha,
Suturas mostrando faltar alguma coisa?
Não, não? Então
Como podemos lhe dar alguma coisa?
Pare de chorar.
Abra a sua mão.
Vazia? Vazia. Tome essa mão
A fim de enchê-la e disposta
A servir xícaras de chá e espantar enxaquecas
E fazer o que você mandar.
Casa com isso?
Tem garantia.
De que fechará seus olhinhos no final
E se dissolverá de aflição.
Fazemos novo estoque de sal.
Vejo que você está nu em pêlo.
Que tal este terno -
Preto e formal, até que não cai mal.
Casa com isso?
É à prova d'água, de estilhaço, à prova
De fogo e bombas no telhado.
Acredite, vão enterrá-lo com isso.
.
Agora a sua cabeça, desculpe, é bem vazia.
Tenho o remédio para isso.
Vem cá, benzinho, saia já do armário.
Bem, o que você acha disso?
Branca como papel pode ser escrito
Mas em vinte e cinco anos será prata,
Em cinquenta, ouro.
Uma boneca de carne, onde quer que você olhe.
Sabe costurar, sabe cozinhar,
Sabe falar, falar, falar.
Funciona direito, não tem nenhum defeito.
Você tem um buraco, é uma compressa.
Você tem um olho, é uma imagem.
Meu garoto, é sua última chance.
Casa com isso, casa, casa com isso.
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Poema: Sylvia Plath, O candidato.
Arte: René Magritte, Homenagem à Mack Sennett, 1934.
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quinta-feira, 19 de julho de 2012
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A sós
para mim
e para ti também,
quer dizer: eu e tu,
quer dizer: nós.
Nós assim,
sem ninguém...
Quando eu e tu
nos encontramos,
eu só, tu só,
de repente passamos
a ser nós,
e como sozinhos já não ficamos,
ficamos a sós...
Eu e tu
a sós,
seja lá onde for,
quer dizer: nós
e nosso amor...
.
Poema: J.G. de Araujo Jorge. Definição, 1958.
Arte: Marc Chagall. A história de Qamar Zaman e da arte da esposa do joalheiro, 1948.
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quinta-feira, 21 de junho de 2012
domingo, 27 de maio de 2012
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E ele, evadindo-se tão prodigiosamente da sua velha carne encarquilhada, tornava-se cada vez mais feliz, cada vez mais inacessível. Cada vez mais imorredouro.
Ao morrer levava, sem dar conta disso, as mãos cheias de estrelas...
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Texto: Saint Exupéry. Cidadela.
Arte: Henri Matisse. O voo de Ícaro.
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quarta-feira, 9 de maio de 2012
terça-feira, 24 de abril de 2012
.
Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com minha acessa antorcha e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?
.
Poema: Ferreira Gullar, um sorriso.
Arte: Tâmara de Lempicka, Adão e Eva.
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Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com minha acessa antorcha e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?
.
Poema: Ferreira Gullar, um sorriso.
Arte: Tâmara de Lempicka, Adão e Eva.
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quarta-feira, 4 de abril de 2012
quinta-feira, 22 de março de 2012
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Desdobrei a minha orfandade
sobre a mesa, como um mapa.
Desenhei o meu itinerário
até ao meu lugar ao vento.
Os que chegam não me encontram.
Os que espero não existem.
E bebi licores furiosos
para transmutar os rostos
num anjo, em copos vazios.
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Poema: Alejandra Pizarnik, Festa.
Arte: Edward Hopper. Lado leste interior, 1922.
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domingo, 4 de março de 2012
.
Porque te tenho e não
porque te penso
porque a noite está de olhos abertos
porque a noite passa e digo amor
porque vieste a recolher a tua imagem
porque és melhor que todas as tuas imagens
porque és linda desde o pé até a alma
porque és boa desde a alma a mim
porque te escondes doce no orgulho
pequena e doce
coração couraça
porque és minha
porque te olho e morro
se não te olho amor
se não te olho
porque tu sempre existes onde quer que seja
porém existes melhor onde te quero
porque tua boca é sangue
e tens frio
tenho que te amar amor
tenho que te amar
ainda que esta ferida doa como dois
ainda que busque e não te encontre
e ainda que
a noite pese e eu te tenha
e não
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Arte: Marc Chagall. O sonho de Paris, 1969.
Texto: Mário Benedetti. Coração couraça.
Texto: Mário Benedetti. Coração couraça.
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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
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Gota
a gota
tomba o silêncio.
Condensa-se no telhado da mente
e cai por tanques de água abaixo.
Para sempre sozinho...
sozinho...
sozinho.
Gota
a gota
tomba o silêncio.
Condensa-se no telhado da mente
e cai por tanques de água abaixo.
Para sempre sozinho...
sozinho...
sozinho.
ouço o silêncio tombar e espalhar seus
círculos até os mais longínquos recantos.
Saciado e repleto, sólido na satisfação da meia-noite,
eu
a quem a solidão destrói
deixo que o silêncio tombe
gota a
gota.
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Excerto: Virgínia Woolf. As ondas, 1931.
Arte: Frank Benson. Dia de chuva, 1906.
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sábado, 21 de janeiro de 2012
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
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Arte: Salvador Dalí. A desintegração da memória, 1954.
Poema: David Mourão-Ferreira. Ladainha dos póstumos natais, 1986.
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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
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Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
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Poema: Alberto Caeiro. Antes o voo da ave, XLIII.
Arte: Andrew Wyeth. Turkey Pond, 1944.
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domingo, 6 de novembro de 2011
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Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.
.
Poema: Ana Cristina César.
Arte: Toulouse Lautrec. Loie Fuller 1892.
Arte: Toulouse Lautrec. Loie Fuller 1892.
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terça-feira, 25 de outubro de 2011
.
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
.
Poema: Cecília Meireles. Retrato.
Arte: Vincent VanGogh. Rosto de camponesa com touca de renda esverdeada, 1885.
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terça-feira, 4 de outubro de 2011
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Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.
Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?
E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.
.
Poema: Manuel Bandeira. A estrela.
Arte: Andrew Wyeth. Mulher na porta.
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quinta-feira, 22 de setembro de 2011
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Até agora eu não me conhecia,
julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera.
Tão clara como a fonte e como o dia.
Mas que eu não era EU não o sabia
mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim...e não me via!
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Poema: Florbela Espanca. Eu.
Arte: Norman Rockwell, Girl at her Mirror, 1954.
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sexta-feira, 9 de setembro de 2011
terça-feira, 6 de setembro de 2011
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A mão que assinou o papel derrubou uma cidade;
Cinco dedos soberanos tributaram a respiração,
Duplicaram a esfera dos mortos e reduziram um país à metade;
Esses cinco reis levaram um rei à morte.
A poderosa mão chega a um ombro arqueado,
As juntas dos dedos foram imobilizadas pelo gesso;
Uma pena de ganso pôs um fim ao crime
Que deu fim à troca de palavras.
A mão que assinou o tratado fez brotar a febre,
E cresceu a fome, e vieram os gafanhotos;
Grande é a mão que mantém o seu domínio
Grande é a mão que mantém o seu domínio
Sobre o homem por ter ele escrito um nome.
Os cinco reis contam os mortos, mas não aplacam
A ferida cicatrizada nem acariciam a fronte;
Há mãos que regem a piedade como outras o céu;
As mãos não têm lágrimas para derramar.
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Poema: Dylan Thomas, The hand that signed the paper.
Arte: John Rogers, Council of war.
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segunda-feira, 29 de agosto de 2011
domingo, 14 de agosto de 2011
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Meu pai sempre me prometeu
Que viveríamos na França
Íamos de barco pelo rio Sena
E eu gostaria de aprender a dançar.
Vivíamos em Ohio, e então
Ele trabalhou nas minas
Os sonhos dele eram como barcos
Sabíamos que seria navegar no tempo.
Minhas irmãs cresceram e foram embora
Para Denver e Cheyenne
Casaram-se com seus sonhos de adulto
Os liláses e os homens.
Eu fiquei para trás, o mais novo
ainda dançava sozinho.
Esperando, esperando que os sonhos do meu pai
um dia pudessem me levar para casa.
Eu vivo em Paris agora
Minhas crianças dançam e sonham
Ouvem modos de vida de um mineiro
Em palavras que nunca dizem.
Eu navego em minhas lembranças de casa
Como barcos cruzando o Sena
E vendo os olhos do meu pai
Assistindo o pôr do sol
Que se define nos olhos de meu pai.
.
Arte: Edward H. Potthast
.
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Minha música não quer se bela
não quer ser má.
Minha música não quer nascer pronta,
Minha música não quer redimir mágoas.
Minha música quer estar além do gosto,
minha música quer ser de categoria nenhuma,
minha música quer só ser música.
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Letra: Adriana Calcanhotto, minha música.
Arte: Cândido Portinari, músico Clarinetista.
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domingo, 31 de julho de 2011
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Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma;
todo homem é um pedaço do continente, uma parte
de terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo
mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido
um promontório, ou perdido, ou perdido o solar de
um teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer
homem diminui a mim, porque na humanidade me
encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar
por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.
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Arte: Duy Huynh.
Poema: John Donne. Meditação 17.
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sexta-feira, 22 de julho de 2011
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Minha cabeça cortada
Joguei na tua janela
Noite de lua
Janela aberta
Bate na parede
Perdendo dentes
Cai na cama
Pesada de pensamentos
Joguei na tua janela
Noite de lua
Janela aberta
Bate na parede
Perdendo dentes
Cai na cama
Pesada de pensamentos
Talvez te assustes
Talvez a contemples
Contra a lua
Buscando a cor de meus olhos
Talvez a uses
Como despertador
Sobre o criado-mudo
Não quero assustar-te
Peço apenas um tratamento condigno
Para essa cabeça súbita
De minha parte
.
Poema: Paulo Leminski.
Poema: Paulo Leminski.
Arte: Edward Hopper, Boy & Moon.
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quarta-feira, 13 de julho de 2011
sábado, 2 de julho de 2011
domingo, 26 de junho de 2011
sábado, 18 de junho de 2011
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Adiantei consideravelmente no conhecimento da felicidade e passei a encará-la como problema no dia em que soube ver nela o fruto da escolha de um cerimonial criador de uma alma feliz e não um presente estéril de objetos vãos. Porque não é possível proporcionar a felicidade aos homens como provisão.
Mas nem por sombras acredito que possas ir buscar a tua felicidade à solidão, ao vazio, à nudez, que aliás podem-te levar ao desespero.
Embora a experiência me tenha ensinado que se descobrem homens felizes em maior proporção nos desertos, nos mosteiros e no sacrifício do que entre os sedentários dos oásis férteis ou das ilhas ditas afortunadas, nem por isso cometi a asneira de concluir que a qualidade do alimento se opusesse à natureza da felicidade. Acontece simplesmente que, onde os bens são em maior número, oferecem-se aos homens mais possibilidades de se enganarem quanto à natureza das suas alegrias: estas, efetivamente, parecem provir das coisas, quando resultam do sentido que essas coisas assumem em tal país ou em tal morada. Pode acontecer que eles, na abastança, se enganem com maior facilidade e façam circular mais vezes riquezas vãs. Como os homens do deserto ou do mosteiro não possuem nada, sabem muito bem de onde lhes vem as alegrias e lhes é assim mais fácil salvarem a própria fonte do seu fervor.
.
Arte: Adolphe Bouguereau. Temptation, 1880.
Texto: Saint Exupéry. Cidadela.
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