Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol...


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domingo, 27 de maio de 2012

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E ele, evadindo-se tão prodigiosamente da sua velha carne encarquilhada, tornava-se cada vez mais feliz, cada vez mais inacessível. Cada vez mais imorredouro.


Ao morrer levava, sem dar conta disso, as mãos cheias de estrelas...

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Texto: Saint Exupéry. Cidadela.
Arte: Henri Matisse. O voo de Ícaro.

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domingo, 26 de junho de 2011

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Embora a morte e a vida se oponham uma a outra, como palavras que são, o certo é que só podes viver daquilo que te pode fazer morrer. E o que recusa a morte, recusa a vida.

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Texto: Saint Exupéry, Cidadela.
Arte: Adolphe Bouguereau, Garota defendendo-se de Eros, 1880.

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quarta-feira, 8 de junho de 2011


Adiantei consideravelmente no conhecimento da felicidade e passei a encará-la como problema no dia em que soube ver nela o fruto da escolha de um cerimonial criador de uma alma feliz e não um presente estéril de objetos vãos. Porque não é possível proporcionar a felicidade aos homens como provisão.

Mas nem por sombras acredito que possas ir buscar a tua felicidade à solidão, ao vazio, à nudez, que aliás podem-te levar ao desespero.

Embora a experiência me tenha ensinado que se descobrem homens felizes em maior proporção nos desertos, nos mosteiros e no sacrifício do que entre os sedentários dos oásis férteis ou das ilhas ditas afortunadas, nem por isso cometi a asneira de concluir que a qualidade do alimento se opusesse à natureza da felicidade. Acontece simplesmente que, onde os bens são em maior número, oferecem-se aos homens mais possibilidades de se enganarem quanto à natureza das suas alegrias: estas, efetivamente, parecem provir das coisas, quando resultam do sentido que essas coisas assumem em tal país ou em tal morada. Pode acontecer que eles, na abastança, se enganem com maior facilidade e façam circular mais vezes riquezas vãs. Como os homens do deserto ou do mosteiro não possuem nada, sabem muito bem de onde lhes vem as alegrias e lhes é assim mais fácil salvarem a própria fonte do seu fervor.

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Arte: Adolphe Bouguereau. Temptation, 1880.
Texto: Saint Exupéry. Cidadela.

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terça-feira, 12 de abril de 2011

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Tudo mudou tão depressa em volta de nós: relações humanas, condições de trabalho, costumes...Até mesmo a nossa psicologia foi subvertida em suas bases mais íntimas. As noções de separação, ausência, distância, regresso, são realidades diferentes no seio de palavras que permaneceram as mesmas. Para apreender o mundo de hoje usamos uma linguagem que foi feita para o mundo de ontem, E a vida do passado parece corresponder melhor à nossa natureza apenas porque corresponde melhor à nossa linguagem.

Cada progresso nos expulsou para um pouco mais longe ainda de hábitos que mal havíamos adquirido; na verdade somos emigrantes que ainda não fundaram a sua pátria.

Somos todos bárbaros novos que ainda se maravilham com seus novos brinquedos. Não tem outro sentido nossas corridas de avião. Este sobe mais alto, aquele corre mais depressa. Esquecemos por que o fazemos correr. A corrida, provisoriamente, fica mais importante que o seu próprio objetivo. E sempre é assim mesmo.

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Texto: Saint Exupéry, Terra dos homens.

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quinta-feira, 3 de março de 2011

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Você compreende, sem alimento, depois de três dias de marcha, meu coração não devia estar batendo com muita força...

Pois em certo momento, quando eu progredia ao longo de uma encosta vertical, cavando buracos para enfiar as mãos, o coração me caiu em pane...

Hesitou, deu mais uma batida...Uma batida estranha...Senti que se ele hesitasse um segundo mais seria o fim.

Fiquei imóvel, escutando...nunca - está ouvindo? - nunca, num avião, me senti tão preso ao ruído do motor como, naquele momento, às batidas do meu próprio coração.

E eu lhe dizia: Vamos, força! Veja se bate mais...Hesitava mas depois recomeçava, sempre...
Se você soubesse como tive orgulho do meu coração!

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Texto: Saint Exupéry, Terra dos homens.

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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

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Fui visitar o único geômetra verdadeiro, meu amigo.

Comoveu-me vê-lo tão atento ao chá e as brasas e à cafeteira e ao cântico da água. Provou o líquido e depois ficou à espera, porque o chá expele lentamente o aroma. Impressionou-me agradavelmente que, durante esta curta meditação, ele permanecesse mais distraído pelo chá do que por um problema de geometria:

- Tu, que és um sábio, não desprezas os trabalhos humildes...

Mas ele não me respondia. Depois de ter enchido, todo satisfeito, as nossas xícaras:

- Eu, que sou um sábio...que entendes tu por isso? havia o tocador de guitarra de desprezar o cerimonial do chá pela simples razão de saber qualquer coisa acerca das relações entre as notas? Eu sei qualquer coisa acerca das relações entre as linhas de um triângulo. No entanto, agradam-me o canto da água e o cerimonial que há de honrar o rei, meu amigo...

Ficou uns instantes pensativo e acrescentou:

- Que sei eu... eu não acredito que os meus triângulos me esclareçam quanto o prazer que o chá nos dá. Mas pode acontecer que o prazer do chá me esclareça um pouco acerca dos triângulos...

Texto: Saint Exupéry, Cidadela.
Arte: Jean Hans Arp, Formas Geométricas.

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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

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Quando tomamos consciência de nosso papel, mesmo

o mais obscuro, só então somos felizes. Só então podemos

viver em paz e morrer em paz, pois o que da um sentido

à vida dá um sentido à morte.

(Saint Exupéry)

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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Conheci um velho jardineiro que a toda hora me falava num amigo dele. Os dois tinham vivido durante muito tempo como irmãos, antes que a vida os separasse. Tinham bebido juntos o chá da tarde, tinham celebrado as mesmas festas, tinham-se procurado um ao outro para pedirem alguns conselhos ou fazerem confidências. Que, bem vistas as coisas, um pouco tinham a dizer. Até os viam passear, depois de acabado o trabalho, sem pronunciarem uma só palavra. Limitava-se a olhar as flores, os jardins, o céu e as árvores. Mas, se um deles meneava a cabeça e apalpava entre os dedos alguma planta, o outro debruçava-se por sua vez e meneava também a sua. Acabavam de reconhecer o rasto da lagarta. E as flores abertas proporcionavam a qualquer deles o mesmo prazer.

Ora, aconteceu que um mercador contratou um dos dois e o associou por algumas semanas à sua caravana. Mas os ladrões de caravanas e depois as voltas que a vida dá e as guerras entre os impérios e as tempestades e os naufrágios e os lutos e as ruínas como uma pipa levada e trazida pelo mar, empurrando-o de jardim para jardim até aos confins do mundo.

Ora, o meu jardineiro, depois de uma velhice em silêncio , recebeu um dia uma carta do amigo. Sabe Deus quantos anos ela tinha navegado. Sabe Deus que diligências, que cavaleiros, que navios, que caravanas, a tinham pouco a pouco encaminhado, com essa mesma obstinação das milhares de ondas do mar, até ao seu jardim. E, nessa manhã, como ele resplandecia de felicidade e a queria partilhar, pediu-me para ler, como se pede pra ler um poema, a carta que tinha recebido. Ficou-se a ler no meu rosto a emoção da leitura. A verdade é que eram só algumas palavras, porque os jardineiros sempre tinham tido mais habilidade pára cavar do que para escrever. Só consegui ler: "Hoje de manhã, podei as minhas roseiras...". Aquilo me fez meditar sobre o essencial, que sempre me pareceu informulável. E meneei também a cabeça, como eles teriam feito.

Daí em diante, nunca mais o meu jardineiro havia de saber o que é o repouso. Poderias tê-lo ouvido informar-se da geografia, dos correios, das caravanas e das guerras entre os impérios. Três anos mais tarde, chegou por acaso o dia de eu mandar qualquer embaixada ao outro lado da terra. Mandei chamar o meu jardineiro: "se quiseres, podes escrever ao teu amigo." As minhas árvores sofreram um pouco com isso e também os legumes da horta e houve festa entre as lagartas, porque ele passava o dia em casa gatafunhando, rasurando, recomeçando a tarefa, tirando a língua de fora como uma criança debruçada sobre o trabalho. Mas descobria qualquer coisa de urgente a dizer, como que sentia a necessidade de se transportar todo ele, na sua verdade, para a casa do amigo. Precisava construir a sua própria ponte sobre o abismo, alcançar a outra parte de si próprio através do espaço e do tempo. Precisava dizer o seu amor. Por fim, todo corado, veio-me submeter à apreciação a sua resposta e perscrutar outra vez ainda no meu rosto um reflexo da alegriaque havia de iluminar o destinatário. O que ele queria era experimentar em mim o poder das suas confidências. Afinal, apenas confiava ao amigo, na sua escrita aplicada e desajeitada, como que uma oração muito convicta, mas de palavras humildes: "Hoje de manhã, também podei as minhas roseiras...". Na verdade, era o mais importante que ele podia dar a conhecer:(...)

Após a leitura, permaneci calado, meditando sobre o essencial, que eu ia compreendendo cada vez melhor. É que eles, sem o saber, estavam afinal a homenagear-te: era em ti, Senhor, que eles vinham a encontrar, para além das roseiras.

Saint Exupéry

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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

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Olha para o jogo de xadrez: há um vencedor e um vencido. O vencedor, às vezes, veste-se de um sorriso malicioso para humilhar o vencido, porque os homens são assim. (...) Raciocinas da seguinte forma: " Qual o mérito do vencedor? Ele era mais inteligente ou conhecia melhor a arte do jogo. A sua vitória não passa de expressão de um estado. Havia ele de ser glorificado por ter um rosto mais vermelho ou mais macio, mais cabeludo ou menos cabeludo...?"

Mas eu vi o vencido do xadrez jogar durante anos na esperança de vir festejar a vitória. É que tu és mais rico só em virtude dessa festa existir, mesmo que não em tua honra.

Texto: Saint Exupéry

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domingo, 12 de setembro de 2010

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Porque não é pela via da linguagem que eu hei de
transmitir o que em mim existe.

O que existe em mim não há palavra que o diga.

Texto: Saint Exupéry
Vitral: Marc Chagall

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sábado, 28 de agosto de 2010

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O teu sentido depende do sentido dos outros, quer tu queiras quer não. O teu gosto depende do gosto dos outros, quer tu queiras ou quer não. O teu ato depende é movimento de um jogo. Não de uma dança. É eu mudar o jogo ou a dança e mudo o teu ato num outro.

Construíste as tuas muralhas por causa de um jogo, tu próprio as destruíras por causa de outro.

É que vives, não das coisas, mas do sentido das coisas.

Texto: Saint Exupéry
Arte: Paul Klee

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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

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Ainda bem que não te basta olhar para ver.



Eu dizia de mim para mim:
- Nem aqueles que, através das coisas, sabem tocar o nó divino que as liga umas às outras dispõem permanentemente desse poder. A alma está cheia de sono. A alma não exercitada o está ainda mais. Como esperar que eles sejam tocados pela revelação como que por um raio? Só deparam com o raio aqueles que nele encontram a solução. Porque esperavam esse rosto, tão construídos estavam para serem abrasados por ele. O mesmo se passa com aquele que, mediante o exercício da oração, eu tornei disponível para o amor. Fundei-o tão bem, tão bem, que certos sorrisos serão para eles como gládios. Mas outros, em compensação, não passam de joguete do desejo.
Sei agora que amar é reconhecer e conhecer o rosto lido através das coisas. O amor não passa de conhecimento dos deuses.
Uma verdadeira janela se te rasga naquele preciso instante em que te é dado apreender na sua unidade a propriedade, a escultura, o poema, o império, a mulher ou Deus, através da piedade dos homens. Mas é a morte do teu amor no momento em que não vês nessas realidades mais do que conjuntos. E, no entando, não mudou aquilo que te é dado pela via dos sentidos.
Urge, por isso, converter aqueles que vêm ter comigo olhando sem ver. Só nessa altura se iluminarão e se tornarão vastos. E só então ficarão nus.

Texto: Saint Exupéry
Arte: Marc Chagall

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terça-feira, 3 de agosto de 2010

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É quando resistes que conhece o que te move. E, para a folha
entregue ao vento, deixa de haver vento, da mesma maneira que
para a pedra liberta deixa de haver peso.

Saint Exupéry

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segunda-feira, 19 de julho de 2010

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Lutareis contra os apegos do homem aos bens materiais. Se
quiserdes fundar o homem no filho do homem, ensinai-lhe em
primeiro lugar a troca porque, fora da troca, nada mais há do
que endurecimento.
Ensinareis a meditação e a oração, porque tornam a alma mais
vasta. E o exercício do amor. Porque o que é que o haveria de
substituir? E o amor de nós próprios é o contrário do amor.
Castigareis em primeiro lugar a mentira e a delação, que
realmente podem servir ao homem e na aparência à cidade. Mas
só a fidelidade cria os fortes. Porque não há fidelidade num
campo e não num outro. Quem é fiel é sempre fiel. E está muito
longe de ser fiel aquele que é capaz de trair o companheiro de
trabalho. Eu tenho necessidade de uma cidade forte, e Deus me
livre de apoiar a força dela no apodrecimento dos homens.
Pregareis o gosto da perfeição, porque toda obra é uma marcha
para Deus e só na morte pode acabar.

Saint Exupéry, Cidadela.

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terça-feira, 29 de junho de 2010



Se me volto para as estrelas, não tenho pena do mar. Penso estrelas.

Saint Exupéry
Fotografia: Luciinka

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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Tinha eu quinze anos quando recebi a primeira lição:
já há vários dias que um irmão era dado como perdido.
Certa manhã, seriam umas quatro horas, a enfermeira
dele me acorda.

- O seu irmão te chama.
- Ele está mal?

Não obtenho resposta. Visto-me a toda pressa e apareço
junto dele. É com a voz de todos os dias que me fala:

- Gostaria de falar contigo antes de morrer. Eu vou morrer.

Uma crise nervosa crispa-o todo e obriga-o a calar-se.
Durante a crise diz que "não" com a mão. Não consigo
compreender o gesto. Imagino que a pobre criança se
recusa a aceitar a morte. Mas, quando a calma sobrevém,
explica-me:

- Não tenhas medo... Não sofro, não tenho dores, mas não
posso impedir, é meu corpo.

Não morremos, imaginamos temer a morte, tememos o inesperado,
a explosão, tememos a nós mesmos. A morte? Não, não há mais
morte quando a encontramos. O meu irmão disse-me:v"Não te
esqueças de escrever tudo isto..." Quando o corpo se desfaz,
o essencial aparece. O homem não passa de um entrelaçado de
relações. Só as relações contam para o homem.

(Saint Exupéry)

domingo, 13 de junho de 2010

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Gosto de que o rosto jovem esteja ameaçado de envelhecer e que uma palavra minha possa facilmente mudar em lágrimas um sorriso.

Texto: Saint Exupéry
Arte: Amedeo Modigliani

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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Fica sabendo que não é em vão que eu amo o que se acha ameaçado.
Não é de deplorar que as coisas preciosas o estejam. Eu encontro
precisamente nisso uma condição da sua qualidade. Eu amo o amigo
fiel nas tentações. Se não houvesse tentação, não haveria fidelidade,
não teria eu amigos. E eu aceito que alguns caiam, para das valor aos outros.

Saint Exupéry

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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Nunca dês ouvidos àqueles que, no desejo de te servir, te aconselham a renunciar a uma das tuas aspirações. Tu bem sabes qual é a tua vocação, pois a sentes exercer pressão sobre ti. E, se a atraiçoas, é a ti que te desfiguras. Mas fica sabendo que a tua verdade se fará lentamente, pois ela é nascimento de árvore e não descoberta de uma fórmula. O tempo é que desempenha papel mais importante, porque se trata de te tornares outro e de subires uma montanha difícil. Porque o ser novo, que é unidade libertada no meio da confusão das coisas, não se te impõe como a solução de um enigma, mas como um apaziguamento de litígios e uma cura de ferimentos. E só virás a conhecer o seu poder, uma vez que ele se tiver realizado. Nada me pareceu tão útil ao homem como o silêncio e a lentidão. Por isso os tenho honrado sempre como deuses por demais esquecidos.

Saint Exupéry

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sexta-feira, 30 de abril de 2010

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Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo pra mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

Saint Exupéry

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