Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol...


domingo, 9 de janeiro de 2011

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Como a vida é um movimento rápido, um fluir continuo, mutante, como estamos sempre a nos despedir, indo a lugares, vendo pessoas, fazendo coisas. Só na chuva, às vezes, só quando a chuva cai, limitando seu raio de atuação que já é desgracadamente reduzido, só quando você senta e fica escutando ao lado da janela, enquanto o ar frio e úmido sopra suave na sua nuca – só aí você pensa e sente aflição. Sente o dia escorrer, esquivo como lisas minhocas rosadas, por entre os dedos, e você analisa o que tem aos dezoito anos, pensa no modo como consegue, com dificuldade e concentração, trazer de volta um dia, um dia de sol, céu azul e aquarelas á beira-mar. consegue se recordar das observações sensuais que tornam aquele dia real, e pode se iludir – quase – pensando que seria capaz de retornar ao passado e reviver os dias e horas num curto período. Que nada, a busca do tempo passado é mais difícil do que você pensa, e o tempo presente acaba devorado por essas buscas melancólicas. O filme de seus dias e noites está enrolado dentro de você, bem apertado, para nunca mais ser passado – e os flashbacks ocasionais são vagos, desfocados, irreais, como se os visse através da neve que cai. Agora você começa a ficar com medo. Não crê em Deus nem na vida após a morte, portanto não pode contar com o paraíso quando sua alma inexistente ascender. Você acredita que tudo precisa vir do homem, e o homem é bem criativo em seus bons momentos – muito maduro, muito perceptivo para a sua idade – quantos anos tem, agora? Quantos milhares de anos? Contudo, mesmo nesta era de especialização, de variedade e complexidade infinita e de uma miríade de escolhas, o que você pega para si no saco de surpresas? Gatos tem nove vidas, diz o ditado. Você tem uma; e nalgum ponto da fina linha tênue de sua existência há um nó cego, um coágulo, a batida suspensa que marca o final deste individuo em particular que se chama “Eu”, “Você” e “Sylvia”. Então você fica pensando em como agir, como ser – e você considera valores e atitudes. No meio do relativismo e do desespero, esperando que as bombas comecem a cair, que o sangue corra (como corre agora no Iraque, no Afeganistão, na Rússia) e escorra bem na frente dos seus olhos, você quer saber tomada por um enjoativo surto de pavor, como se agarrar à terra, às sementes da relva e da vida.


Sylvia Plath


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12 comentários:

Leo disse...

Escrito em seu diário em 15 de junho, 1957.

Juci Barros disse...

Fiz uma reflexão bem produtiva ao ler isto, veio a calhar com a chuva que cai aqui no telhado e minha melancolia de de agora.
Beijos.

Luisana Gontijo (Lu) disse...

Maravilhoso!!!
Incrivelmente atual!
"Contudo, mesmo nesta era de especialização, de variedade e complexidade infinita e de uma miríade de escolhas, o que você pega para si no saco de surpresas?": Isto, então, é fantástico! Temos hoje uma gama de possibilidades sem precedentes - inclusive de gente para fazer parte da nossa vida, por um segundo que seja -, mas é vital fazer escolhas. Querer tudo é muito comum, mas também acredito que seja o mal do milênio.
Beijo, Leo!

Denise Portes disse...

Leo,
Que reflexão maravilhosa.
Um beijo
Denise

Flor de Lótus disse...

Oi,Leo!Fiquei pensando nos flashbacks e na capacidade que nós humanos temos de pegar as lembranças e recordar só os momentos bons isso é incrível, eu tenho o hábito de escrever quase um diário, algumas emoções,momentos vividos e dia desses analisando isso eu vi que nós temos um filtro muito grande e uma capacidade de esquecer o que não foi tão bom, e enfeitar os bons momentos e parecer que eles forma melhor do que realmente foram isso não é ruim,mas faz com que muitas vezes a gente fique preso ao passado e as recordações.
Beijos

Emilene Lopes disse...

Maravilha de texto Leo, uma bela escolha...

Bjs

Mila

Anônimo disse...

Ei Leo,
Também adorei e vou copiá-lo para ler naqueles dias em que estamos mais reflexivos...

Beijos.

Lívia Azzi disse...

Assim você vai nos viciar com a escrita intensa e introspectiva de Sylvia Plath, Leo querido.

Beijinhos!

;-)

Anônimo disse...

Baita reflexão. Mesmo com todo jeito introspectivo da autora, percebemos uma vontade imensa de quebrar as barreiras mentais que nos prendem e não nos deixam viver mais e mais felizes.

♪ Sil disse...

Leo, o texto caiu feito luva hoje, num dia que reflexão de tantas coisas foi meu forte.

Obrigada pelo texto tão lindo.

Li, reli, "treli".

Um beijo!

Thiago Cavalcante disse...

Não sei o motivo, mas enquanto lia esse post, pude recordar de uma frase, talvez seja de Clarice Lispector - mas não tenho certeza, então prefiro não afirmar, mas escrevo: "Fiz o meu choro na chuva".

Isso é forte e simbólico: há renovação.

Meu abraço, Leo: com paz, sempre.

Naia Mello disse...

a gente já um monte de escolhas o problema é escolher uma única.