Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol...


domingo, 18 de maio de 2014




















Mão esquerda contra a direita.
Tua alma e minha alma - tentes.
Fusão, beatitude que abrasa.
Direita e esquerda - duas asas.
Roda o tufão, o abismo fez-se
Da asa esquerda à asa direita.

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Poema: Marina Tsvetaeva.
Arte: Salvador Dalí. Broken bridge & dream.

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domingo, 4 de maio de 2014






















O espelho caiu da parede.
Caiu com ele o meu rosto.
Com o meu rosto a minha sede.
Com a minha sede meu desgosto.
O meu desgosto de olhar,
No espelho caído, o meu rosto.

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Poema: Cassiano Ricardo. A Física do Susto.
Arte: Pablo Picasso. A garota e o espelho, 1932.

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quarta-feira, 12 de março de 2014

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. 
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos 
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. 
                   (Enlacemos as mãos.) 

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida 
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, 
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, 
                   Mais longe que os deuses. 

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. 
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. 
Mais vale saber passar silenciosamente 
                   E sem desassosegos grandes. 

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, 
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, 
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, 
                   E sempre iria ter ao mar. 

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos, 
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, 
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro 
                   Ouvindo correr o rio e vendo-o. 

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as 
No colo, e que o seu perfume suavize o momento — 
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada, 
                   Pagãos inocentes da decadência. 

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois 
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, 
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos 
                   Nem fomos mais do que crianças. 

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, 
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. 
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio, 
                   Pagã triste e com flores no regaço.

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Ricardo Reis, Odes.

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domingo, 12 de janeiro de 2014

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Depois, senhor, que partiste,
nada mais cuido a esta vida.















Mudei, como a cheia lua:
cada noite diminuo.

Poema: Zhang Jiuling. Depois que partiste.
Arte: René Magritte. O anel de ouro.

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