Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol...


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

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Crepúsculo e morte. Morte e beijos.
Beijos dos quais resultam nascimentos.




Consequentemente, morte para outra geração
de observadores de crepúsculos.

Texto: Aldous Huxley
Arte: René Magritte

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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Conheci um velho jardineiro que a toda hora me falava num amigo dele. Os dois tinham vivido durante muito tempo como irmãos, antes que a vida os separasse. Tinham bebido juntos o chá da tarde, tinham celebrado as mesmas festas, tinham-se procurado um ao outro para pedirem alguns conselhos ou fazerem confidências. Que, bem vistas as coisas, um pouco tinham a dizer. Até os viam passear, depois de acabado o trabalho, sem pronunciarem uma só palavra. Limitava-se a olhar as flores, os jardins, o céu e as árvores. Mas, se um deles meneava a cabeça e apalpava entre os dedos alguma planta, o outro debruçava-se por sua vez e meneava também a sua. Acabavam de reconhecer o rasto da lagarta. E as flores abertas proporcionavam a qualquer deles o mesmo prazer.

Ora, aconteceu que um mercador contratou um dos dois e o associou por algumas semanas à sua caravana. Mas os ladrões de caravanas e depois as voltas que a vida dá e as guerras entre os impérios e as tempestades e os naufrágios e os lutos e as ruínas como uma pipa levada e trazida pelo mar, empurrando-o de jardim para jardim até aos confins do mundo.

Ora, o meu jardineiro, depois de uma velhice em silêncio , recebeu um dia uma carta do amigo. Sabe Deus quantos anos ela tinha navegado. Sabe Deus que diligências, que cavaleiros, que navios, que caravanas, a tinham pouco a pouco encaminhado, com essa mesma obstinação das milhares de ondas do mar, até ao seu jardim. E, nessa manhã, como ele resplandecia de felicidade e a queria partilhar, pediu-me para ler, como se pede pra ler um poema, a carta que tinha recebido. Ficou-se a ler no meu rosto a emoção da leitura. A verdade é que eram só algumas palavras, porque os jardineiros sempre tinham tido mais habilidade pára cavar do que para escrever. Só consegui ler: "Hoje de manhã, podei as minhas roseiras...". Aquilo me fez meditar sobre o essencial, que sempre me pareceu informulável. E meneei também a cabeça, como eles teriam feito.

Daí em diante, nunca mais o meu jardineiro havia de saber o que é o repouso. Poderias tê-lo ouvido informar-se da geografia, dos correios, das caravanas e das guerras entre os impérios. Três anos mais tarde, chegou por acaso o dia de eu mandar qualquer embaixada ao outro lado da terra. Mandei chamar o meu jardineiro: "se quiseres, podes escrever ao teu amigo." As minhas árvores sofreram um pouco com isso e também os legumes da horta e houve festa entre as lagartas, porque ele passava o dia em casa gatafunhando, rasurando, recomeçando a tarefa, tirando a língua de fora como uma criança debruçada sobre o trabalho. Mas descobria qualquer coisa de urgente a dizer, como que sentia a necessidade de se transportar todo ele, na sua verdade, para a casa do amigo. Precisava construir a sua própria ponte sobre o abismo, alcançar a outra parte de si próprio através do espaço e do tempo. Precisava dizer o seu amor. Por fim, todo corado, veio-me submeter à apreciação a sua resposta e perscrutar outra vez ainda no meu rosto um reflexo da alegriaque havia de iluminar o destinatário. O que ele queria era experimentar em mim o poder das suas confidências. Afinal, apenas confiava ao amigo, na sua escrita aplicada e desajeitada, como que uma oração muito convicta, mas de palavras humildes: "Hoje de manhã, também podei as minhas roseiras...". Na verdade, era o mais importante que ele podia dar a conhecer:(...)

Após a leitura, permaneci calado, meditando sobre o essencial, que eu ia compreendendo cada vez melhor. É que eles, sem o saber, estavam afinal a homenagear-te: era em ti, Senhor, que eles vinham a encontrar, para além das roseiras.

Saint Exupéry

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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

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RB diz: "Você teria coragem de admitir que fez a escolha errada?", em matéria de marido. Mas nada em mim se assusta ou se preocupa com a questão. Sinto-me bem com meu marido: gosto do seu calor e seu tamanho e seu estar-aqui, gosto de suas brincadeiras e histórias e das coisas que lê e do modo como adora pescar e andar e aprecia porcos e raposas e animais pequenos e é honesto, nem um pouco vaidoso ou alucinado pela fama, e como demonstra seu contentamento quando cozinho para ele e sua alegria quando faço algo ou um poema, um bolo, e como fica inquieto quando estou infeliz e quer fazer qualquer coisa para me ajudar a vencer as pelejas da alma e amadurecer com coragem e levesa filosófica. Amo seu cheiro gostoso e seu corpo que encaixa no meu como se tivessem feito na mesma fábrica de corpos, com este propósito. O que são apenas partes, distribuídas aqui e ali para este rapaz e aquele outro, fazendo com que eu goste deles em parte, está tudo reunido em meu marido. Portanto, não quero mais sair por aí procurando: não preciso procurar mais nada.

O que ele não tem? Um emprego fixo que dê sete mil por ano. Uma renda própria. Todas as coisas que um monte de dinheiro compra. Ele tem seu cérebro, seu calor, seu talento e amor pelo trabalho, mas não tem fortuna nem renda fixa. Que Horror.
Ele pode ganhar dinheiro e o fará, quando quiser e precisar. Ele não põe isso em primeiro lugar, apenas. Muitas outras coisas são mais importantes, para ele. Por que deveria pôr o dinheiro antes de tudo? Não vejo motivo.

Portanto, ele tem tudo o que eu posso desejar. Eu poderia ter tido dinheiro e homens com empregos fixos. Mas eles eram chatos, doentes, superficiais ou mimados. Eles me davam ânsia, a longo prazo. O que eu queria estava dentro da pessoa, algo capaz de me fazer sentir perfeitamente feliz ao seu lado, mesmo nua no Saara: alguém forte e amoroso de corpo e alma. Simples e rijo.

Então eu reconheci o que queria quando vi. Precisava, após treze longos anos sem homem capaz de receber meu amor por completo e me dar em troca um fluxo firme de amor, um homem que tornasse perfeito o círculo do amor e fizesse tudo ao meu lado. Encontrei um. Não precisei ceder ou aceitar um gentil vendedor de seguros careca ou um professor impotente ou um médico presunçoso idiota, como minha mãe disse que eu deveria. Agi conforme minhas convicções e casei-me com o único homem a quem poderia amar, e quero vê-lo fazer o que bem entender neste mundo, e quero cozinhar e ter filhos e escrever a seu lado. Eu fiz exatamente o que minha mãe disse para não fazer. Eu não cedi. E era, para todos os efeitos, feliz com ele, minha mãe pensava.

Isso deve deixar minha mãe atônita. Como posso ser feliz, tendo feito algo tão perigoso como seguir meu próprio coração e minha mente, apesar de seus conselhos experientes e a desaprovação de Mary-Ellen Chase e da fria censura dos olhos pragmáticos norte-americanos: Mas o que ele faz na vida, afinal? Ele vive, minha gente. É isso que ele faz.

Muito pouca gente faz isso hoje em dia. É arriscado demais. Para começar, é uma tremenda responsabilidade ser você mesmo. É muito mais fácil ser outra pessoa ou ninguém. Ou entregar a alma a deus feito Santa Teresa e dizer: Meu único temor é seguir meus próprios desejos. Faça isso por mim, ó Deus.

Trecho: Sylvia Plath, Diário.

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Quanto tempo?
Quanto tempo ainda?
Anos, dias, horas?
Quanto?

Quando penso nisso
como me bate o coração.
Meu país é vida
Quanto tempo ainda?
Quanto?

Eu amo tanto o tempo que me resta.
Quero rir, correr, chorar, falar,
e ver e crer, e beber, dançar,
gritar, comer, nadar,
saltar, desobedecer.

Eu não acabei, eu não acabei.
Voar, cantar, partir,
voltar a partir.
Sofrer, amar, eu amo tanto
o tempo que me resta.

Já não sei mais onde
nasci, nem quando.
Sei que não foi há muito
tempo...e que meu país é a vida.

Eu também sei que meu pai dizia...
"O tempo é como o seu pão,
guarde um pouco para amanhã".
Ainda tenho o pão,
ainda tenho tempo, mas, quanto?

Quero brincar ainda,
Quero rir às gargalhadas.
Quero chorar rios de lágrimas.
Quero beber barcos inteiros de
vinho, de Bordeaux e da Itália
Quero dançar, gritar, voar,
nadar em todos os oceanos.

Eu não acabei, eu não acabei.
Quero cantar,
Quero falar até ficar sem voz.
Eu amo tanto o tempo que me resta.
Quanto tempo?
Quanto tempo ainda?
Anos, dias, horas, quanto?

Quero as histórias, as viagens.
Tenho tanta gente a ver,
tantas imagens,
de crianças, de mulheres,
de grandes homens,
de pequenos homens,
engraçados, tristes,
muito inteligentes, bobos.

Que engraçado,
os bobos me rodeiam,
como as folhas entre as rosas.
Quanto tempo?
Quanto tempo ainda?
Anos, dias, horas, quanto?

não me importo, meu amor.
Quando a orquestra parar,
continuarei dançando,
Quando os aviões não mais
voarem, eu voarei sozinho.
Quando o tempo parar,
Eu a amarei ainda.
Eu não sei onde,
Eu não sei como,
mas eu ainda a amarei.
Está bem?

Poema: Desconheço autor

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domingo, 17 de outubro de 2010

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Uma vez já balancei nas árvores



e sonho voltar a balançar...

Trecho: Robert Frost
Arte: René Magritte

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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

MEMORANDUM

Um chegar e incorporar-se o dia
Dois respirar para subir a ladeira
Três não jogar-se em uma só aposta
Quatro escapar da melancolia
Cinco aprender a nova geografia
Seis não ficar-se nunca sem a sesta
Sete o futuro não será uma festa e
Oito não assustar-se ainda
Nove vai a saber quem é o forte
Dez não deixar que a paciência ceda
Onze cuidar-se da boa sorte
Doze guardar a última moeda
Treze não tratar-se com a morte
Catorze desfrutar enquanto se pode

Poema: Mário Benedetti

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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

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O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu meus cartões de visita
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minha dieta
O amor comeu todos os meu livros de poesia
O amor comeu meu Estado, minha cidade
O amor comeu minha paz, minha guerra, meu dia e minha noite
Meu inverno, meu verão
Comeu meu silencio, minha dor de cabeça
O meu medo da morte

Poema: João Cabral de Melo Neto
Arte: Edward Munch

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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

DA GENTE QUE EU GOSTO.

Eu gosto de gente que vibra, que não tem de ser empurrada, que não tem de dizer que faça as coisas, mas que sabe o que tem que fazer e que faz. A gente que cultiva seus sonhos até que esses sonhos se apoderam de sua própria realidade.

Eu gosto de gente com capacidade para assumir as conseqüências de suas ações, de gente que arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, que se permite, abandona os conselhos sensatos deixando as soluções nas mãos de Deus.

Eu gosto de gente que é justa com sua gente e consigo mesma, da gente que agradece o novo dia, as coisas boas que existem em sua vida, que vive cada hora com bom animo dando o melhor de si, agradecido de estar vivo, de poder distribuir sorrisos, de oferecer suas mãos e ajudar generosamente sem esperar nada em troca.

Eu gosto da gente capaz de me criticar construtivamente e de frente, mas sem me lastimar ou me ferir. Da gente que tem tato. Gosto da gente que possui sentido de justiça. A estes chamo de meus amigos.

Eu gosto da gente que sabe a importância da alegria e a pratica. Da gente que por meio de piadas nos ensina a conceber a vida com humor. Da gente que nunca deixa de ser animada.

Eu gosto de gente sincera e franca, capaz de se opor com argumentos razoáveis a qualquer decisão. Gosto de gente fiel e persistente, que no descansa quando se trata de alcançar objetivos e idéias.

Eu gosto da gente de critério, a que não se envergonha em reconhecer que se equivocou ou que não sabe algo. De gente que, ao aceitar seus erros, se esforça genuinamente por não voltar a cometê-los. De gente que luta contra adversidades. Gosto de gente que busca soluções.

Eu gosto da gente que pensa e medita internamente. De gente que valoriza seus semelhantes, não por um estereotipo social, nem como se apresentam. De gente que não julga, nem deixa que outros julguem. Gosto de gente que tem personalidade.

Eu gosto da gente que é capaz de entender que o maior erro do ser humano é tentar arrancar da cabeça aquilo que não sai do coração.

A sensibilidade, a coragem, a solidariedade, a bondade, o respeito, a tranqüilidade, os valores, a alegria, a humildade, a fé, a felicidade, o tato, a confiança, a esperança, o agradecimento, a sabedoria, os sonhos, o arrependimento, e o amor para com os demais e consigo próprio são coisas fundamentais para se chamar GENTE.

Com gente como essa, me comprometo, para o que seja, pelo resto de minha vida... já que, por tê-los junto de mim, me dou por bem retribuído.

Impossível ganhar sem saber perder.
Impossível andar sem saber cair.
Impossível acertar sem saber errar.
Impossível viver sem saber reviver.

A glória não consiste em não cair nunca, mas em levantar-se todas as vezes que seja necessário.
E isso é algo que muito pouca gente tem o privilégio de poder experimentar.
Bem aventurados aqueles que já conseguiram receber com a mesma naturalidade o ganhar e o perder, o acerto e o erro, o triunfo e a derrota...

Mário Bennedeti

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sábado, 2 de outubro de 2010

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Água.

fui sentir o cheiro de
terra molhada.

ficamos ali
eu e meu corpo,
cantando a plenitude do mato
depois da chuva.



Água.

me amei.


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